A EDUCAÇÃO DE UM CÃO

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Por que usar o MÉTODO POSITIVO e educar sem dor ou medo?

Atualmente, educar cães se transformou em uma necessidade para todos os tutores. Trata-se de um serviço amplamente oferecido por profissionais de todas as áreas e com todos os tipos de formação. E o que percorre livremente no senso comum é a ideia de um adestramento clássico, em que o cão se comporta quase como um robô. No entanto, a ciência do comportamento animal mostra que educar um cão, vai muito além de treinar truques ou ensinar “comandos de obediência” (não curto esse termo!). E, infelizmente, essa ideia não é o que a mídia divulga.
O mercado pet é o que mais cresce anualmente e, com certeza, isso abre precedentes para pessoas com a única intenção de ganhar dinheiro, oferecendo serviços de qualidade questionável. Costumo falar para todo tutor que me procura que meu cliente, de fato, é o cachorro, e não o tutor. Nesse sentido, me recuso a utilizar métodos e técnicas que irão resolver o problema do tutor, mas não garantirão o bem-estar do cão. E esse é o motivo desse artigo, pois, infelizmente, a mídia ainda divulga cães aparentemente bem educados, quando, na realidade, eles estão apenas deixando de trazer problemas para seus tutores, mas não estão com suas necessidades básicas atendidas.
Grande parte dos treinadores de cães, hoje em dia, apresenta seu método de trabalho como “positivo”, “livre de punições” ou “sem castigos”. Mas quando acompanho o processo de aprendizado de alguns desses cães ou até mesmo o resultado atingido, fica clara a diferença entre o que é dito e o que se pratica. Penso que, atualmente, nenhum profissional irá se apresentar a um cliente dizendo que irá colocar um enforcador de elos, ou de pinos no pescoço do cachorro e irá apertar esse enforcador até que o cão descubra sozinho (muitas vezes depois de quase perder o ar, pular, saltar ou até tentar morder) que, para se livrar do medo e da dor causadas por esse enforcamento, terá que emitir o comportamento desejado, de se sentar. Essa é a descrição detalhada de como aumentar a frequência de um comportamento desejado utilizando o método do reforço negativo. Alguém contrataria um treinador de cães que apresentasse seu método dessa forma? Ou então um profissional que dissesse ao tutor que irá ensinar o cão a não puxar no passeio utilizando trancos no enforcador. Assim, toda vez que ele puxar, receberá um tranco no pescoço, até que perceba que, quando voltar a caminhar ao lado do condutor, esse estímulo aversivo irá cessar. Essa é a descrição detalhada de como diminuir a frequência de um comportamento não desejado utilizando o método da punição positiva.
Grande parte dos tutores procura profissionais para que resolvam seus problemas com seus cães: não pular, não puxar durante o passeio, não morder as visitas, não latir pra crianças. No entanto, o mais importante é o processo pelo qual o cão aprenderá tudo isso ou se o método utilizado envolverá dor ou medo. Não é responsabilidade do tutor ter, de antemão, esse conhecimento. Mas sim do profissional que está sendo contratado. No entanto, como nossa profissão não tem nenhum tipo de regulamentação, qualquer pessoa pode se intitular treinador, adestrador ou educador de cães. Basta que outra pessoa confie no seu título e lhe entregue seu cão para ser educado.
É por esse motivo que todo profissional precisa ter conhecimento sobre como os cães aprendem, como funcionam suas capacidades cognitivas, quais são as emoções que vivenciam, como expressam essas emoções por meio da linguagem corporal e sinais de apaziguamento (calming signals), e, principalmente, conhecer, a fundo, os comportamentos específicos da espécie. A ciência do comportamento vem estudando cada um desses pontos e já foi comprovado que os cães tem diversas funções cognitivas e emoções, sendo capazes até mesmo de compreender a linguagem humana, por meio do vocabulário e da entonação de nossa fala. Nesse sentido, fica evidente a importância de métodos não punitivos para educá-los.

Muleka: treino anti-fuga sem o uso de aversivos

E quando falamos em métodos não punitivos estamos nos referindo exatamente ao oposto do descrito anteriormente. Treinamento positivosignifica, na realidade, educar sem provocar medo ou dor, ou seja, ensinar sem o uso de punições positivas (para diminuirmos comportamentos que não queremos, como pular nas pessoas, puxar no passeio, cavar buracos, morder etc.) e sem o uso de reforços negativos (para aumentarmos comportamentos que queremos, como sentar, ficar, deitar, andar junto etc.). Ao contrário, utiliza-se somente reforços positivos (como petiscos, comida, brinquedos, carinho, elogios, passeio etc.) para aumentar a frequência de comportamentos desejados e, em último caso, punições negativas para diminuir a frequência dos comportamentos que não desejamos (retirando a atenção e frustrando o cão no comportamento indesejado).

Quadrante de reforços e punições

Estudos comprovam que quando os cães aprendem com o uso de métodos aversivos, desenvolvem problemas de comportamento como agressividade, ansiedade ou fobias. E, infelizmente, grande parte das pessoas que ainda utiliza esses métodos, não percebe o mal que está causando aos seus cães. Baseados em mitos como o da dominância, em que se acreditava que os cães precisam ser colocados em seus lugares, de submissão, pois, caso contrário irão mandar em seus donos, treinadores e tutores empregam técnicas para mostrar ao cão “o seu lugar”. E, com isso, geram insegurança, medo e cães que passam a ver o mundo de forma vulnerável, sem saber o que esperar do ambiente em que vivem, tendo até mais chances para contraírem doenças, por estarem sempre em estado de stress. Outro mito que alimenta o uso de aversivos é o da matilha, como se cães domésticos se organizassem em hierarquias claras em que nós, humanos, temos que ser os líderes, ou machos-alfa. Esse lema: seja o líder da matilha, já foi responsável por diversos erros de manejo como o toque no pescoço, que imita a boca da mãe, o toque na virilha e cutucões com o barulho “shhh”, divulgados amplamente por programas de televisão. Quando os cães recebem esse tipo de intervenção, em que parecem “calmos e submissos”, na realidade, a maioria deles se encontra em um estado conhecido como desamparo aprendido, ou seja, ele não compreende o motivo daquele ser humano agir assim e, depois de algumas tentativas frustradas para resolver aquela situação, desiste de lutar e se entrega. O resultado disso é um cão emocionalmente triste, frustrado, que aprendeu a não expressar seus sentimentos, porque será mal interpretado.

Apolo: um cachorrão controlando impulsos 😉

Independente do porte, temperamento ou raça de seu cão, todos podem ser trabalhados com métodos que não envolvam dor ou medo, para aprender comportamentos desejados e aprender regras e limites da família. Educar de forma positiva não é deixar de dar limites ou ser permissivo. O cão que aprende sem dor ou medo precisa, sim, de consistênciacoerência e persistência. Costumo utilizar sempre essas três dicas no meu método de trabalho que penso serem essenciais para educar qualquer cão.

 

Barthô :  educar qualquer cão com as 3 dicas

Consistência significa passar mensagens claras, firmes e diretas de modo que o cão compreenda facilmente o que se espera dele. Parece simples, mas quando dizemos ao cão “senta, senta, senta”, o significado não é o mesmo que “senta”. Comunicar com firmeza e clareza o que se espera é fundamental para uma boa compreensão do cão. Senta significa encostar o traseiro no chão. Se o cão só senta depois da terceira vez que ouve a palavra, ele não compreendeu seu significado.

Maria Flor: o foco por absorver uma mensagem clara 

Coerência é o oposto do famoso “ela disse, ele disse”, ou seja, se for permitido subir no sofá, dormir na cama, entrar na piscina ou qualquer outra coisa, não dificulte a compreensão dessas regras para o seu cão. Quando o marido está em casa, não pode dormir na cama, quando vem visita não pode subir no sofá, quando a vovó está em casa não pode pedir comida. É preciso ter clareza de quais são as regras da casa e assumi-las, independente da situação. Quando se quiser abrir exceção, o cão deve ser informado que se trata de uma exceção à regra e ele irá compreender tanto a regra como a exceção.

Loanda: uma boa comunicação desde filhote

Persistência também parece simples, mas é algo que precisa ser trabalhado diariamente na relação com seu cão. Costumo brincar com meus clientes que, muitas vezes, precisamos ser mais teimosos do que eles, afinal, quanto mais brechas deixamos, mais eles irão testar as regras estabelecidas. E, veja bem, persistir não é falar várias vezes a mesma coisa, mas ter consistência no que se pede e persistir naquilo, sendo coerente com as regras estabelecidas.

Fera: persistindo diante de muito estímulos

Dessa forma, conseguimos atingir o objetivo principal de todo o processo na educação dos cães que é tornar-se uma fonte de coisas boas, ou seja, ser a maior referência de todos os recursos necessários para o bem-estar deles: comida, atenção, passeio, brinquedos, elogios, carinho, liberdade, água, abrigo, companhia e tantos outros recursos valiosos que oferecemos diariamente a eles. Costumo falar que não devemos mais almejar a obediência dos nossos cães, mas a cooperação. Ao invés de sermos líderes, nos tornemos referências. É por isso que atualmente me intitulo educadora de cães, pois muito mais do que adestrar, queremos ensinar os cães a se comunicarem bem conosco e serem muito felizes.

Carolina Jardim
Psicóloga, Especialista em Comportamento Animal e Educadora de cães

Mike: cooperando por petisco 😀